FAMÍLIA: existe autoridade dos pais? O que fazer?

por Walter Meleschco Carvalho

Artigo escrito para a Revista JUMOC (Junta de Mocidade da Convenção Batista Brasileira), publicado no 3º Trimestre/2003

 

2.1) FAMÍLIA: existe autoridade dos pais? O que fazer? 

A autoridade dos pais é um dos seus papéis que está em crise. “Precisam-se: pais.” Com este título a revista Veja em 1999, publicou matéria sobre a importância da Influência paterna na formação dos filhos, com dados de pesquisas, diz: “70% das crianças e adolescentes reclamam de falta de sintonia com o pai (...) No Brasil, pesquisa do Datafolha mostrou que 70% dos menores infratores internados na Febem não vivem com o pai... ‘Muita gente acha que a mãe pode cuidar sozinha dos filhos, mas os números mostram que não é assim. Ela não consegue ser mãe e pai ao mesmo tempo’, alerta.” [1] Shamá em seu artigo “Campo minado” [2], relembrou a reportagem "Casamento em Risco" da revista Isto É (edição de out. 2000) a qual expôs “que a ausência de diálogo é a causa do fracasso das relações”. Em outro artigo, Campanha alerta ao fato de que há “Famílias abandonadas”[3] no contexto das nossas igrejas, filhos ainda pequenos, esposas e esposos abandonados. Em maio de 2001, Bifano asseverou que “a questão da violência familiar... também acontece em famílias de nossas igrejas...” (O Jornal Batista – 20 maio 2001). E neste ano, em uma mesma semana, muitos ficaram chocados com o nível de violência entre pais e filhos. No dia 30/03/2003 em São Paulo, um aposentado de 68 anos, no calor de uma discussão disparou um revólver e matou seu filho Rodrigo (26 anos) que era dependente químico, e chegara a ponto de ameaçá-lo de morte.[4] No dia 3/04/03, em São Paulo, um jovem de 38 anos, assassinou barbaramente sua mãe de 72 anos. Ele, também, usuário de drogas, durante uma discussão atirou um vaso na cabeça de sua mãe e depois a arrastou para o banheiro (Revista ISTOÉ - Seção Datas. Ed. 1749). Ele teria espancado a sua mãe até à morte, “porque ela supostamente não lhe deu dinheiro para comprar cocaína.”[5]

Em meio a toda esta crise de autoridade paternal/maternal, parece mesmo que a autoridade dos pais está desaparecendo. Mas felizmente a autoridade dos pais ainda existe. Há lares em que o estabelecer família[6], criar filhos bem estruturados e felizes, que por sua vez reproduzirão famílias bem estruturadas e felizes, é uma firme realidade. Na Bíblia encontramos os três princípios fundamentais da família feliz, a qual tem nos seus pais, observadores dos seus papéis bíblicos e sociais, são eles: 1. A Constituição da Família - A família foi idealizada por Deus (Gn 2.18,24; Sl 127.3; Prov.17.6; Sl 89.47) e que precisa de Deus para manter a união, saúde das relações e felicidade, conforme o ideal original e, assim cumprir a sua finalidade última - glorificar de Deus. (Ef 5.1,18,22-6.4). 2. A Responsabilização da Família - Tornam-se responsáveis por cumprir os seus papéis legalmente reconhecidos. Isto é exigido primeiramente do homem como a cabeça da família, e sua mulher atua como ajudadora idônea (Gn 2.18). Neste sentido, um interessante artigo foi escrito por Elizabete Bifano, com o título: “Mulheres, Deixem Os Pais Serem Pais”[7]. O texto por ocasião do dia dos pais chamou-os(e às mães) para a reflexão de que eles devem ser pais: exercendo além da funções paternais de genitor e provedor, também exercer as funções de amigo, conselheiro e educador. 3. A Governação Da Família - A autoridade paterna diz respeito mais à dignidade e credibilidade próprias concedida ao homem por Deus para que governe sua família, contando com sua auxiliar idônea – a esposa. Esta autoridade pode ser estudada à luz do exemplo da família dos recabitas (JEREMIAS 35.2,6-10). Os recabitas obedeceram em tudo ao seu pai (2 Rs 10.15-28), para preservar sua família do álcool e da corrupção moral e religiosa, eles viveram em tendas no deserto, entendendo que “o modo de vida fácil em Canaã impedia a pureza de adoração a Jeová...” (B. Shedd, p. 1111).

Analisando os papéis sociais dos pais, por este paradigma: pais são autorizados, responsáveis e competentes para gerenciar a família, ao mesmo tempo em que vão conquistando a liderança influente e de credibilidade no seio de seus membros; entende-se a autoridade paterna como definição do direito ou poder atribuído aos pais de tomarem decisões, de agir, etc, mas, sobretudo, atribuição de quem tem autoridade e capacidade para ensinar o bom conhecimento de Deus e preservar e conservar a família das corrupções (B. Shedd., p. 574). Mas é sempre bom lembrar que o pai moralmente competente e responsável não é autoritário[8] em sua liderança; porque se rege pelo princípio da governação que busca cumprir suas responsabilidades: o bem-estar, a qualidade da vida dos seus familiares, e responder por seus atos legais ou moralmente vinculados à sua autoridade e às suas atribuições paternais (Sl 103.13; 147.13).

 

O que fazer?

Criar os filhos segundo o padrão divino. Gerenciando a formação e o desenvolvimento de suas faculdades (aptidões e capacidades): física, intelectual e moral; promovendo o aperfeiçoamento integral e consolidando sua integração individual e social. Sherron ao fazer citação do professor Dr. Ted Ward, afirma que “As crianças vêem o certo e errado nas palavras, atitudes e ações dos pais. Os pais ensinam antes de tudo pelo seu exemplo. São modelos formativos. Ensinam formalmente e informalmente no lar.”[9] Quando os papeis sociais são observados pelos pais, com um caráter fiel, moral e legal, a sua missão (autoridade e responsabilidade paternas) é vista em três atos na criação de filhos (Ef 6.1-4): 1. Pais, criai os vossos filhos em amor. Criar os filhos em amor é promover um ambiente favorável ao seu desenvolvimento, cuidando com paciência, inspirando amor, transmitindo afeto, promovendo confiança (proteção-segurança); e isto tudo sem provocar a ira dos filhos (Efésios 6.4). ABRAÇAR é uma palavra chave neste ato de criação. 2. Pais, criai os vossos filhos na disciplina do Senhor. Disciplina aqui tem a idéia de instruir. Em todo o processo é necessário que haja o equilíbrio da personalidade humana. Ward[10] disse que os componentes do lar para alcançarem o bem estar emocional, precisam de que suas necessidades humanas sejam satisfeitas. Ele descreveu que todas as pessoas possuem cinco conjuntos de necessidades humanas, que permanecem por toda a vida, emergindo mais ou menos na seguinte ordem: 1. Necessidade Fisiológica; 2. Necessidade de Segurança; 3. Necessidade de Amor e de Sentir-se parte do Todo; 4. Necessidade de Estima e Apreço 5. Necessidade de Realização. Assim, quando a autoridade paterna é exercida corretamente, principalmente na educação dos filhos, o senso de Realização é alcançado sem grandes prejuízos. Neste caso a educação (disciplina) dos filhos, o rei Davi, serve de aviso escrito conforme (I Co 10.11) para se evitar alguns erros: A) Davi falhou pela ausência de disciplina: (1 Reis 1.6,13). Semelhante foi o caso de Eli, o Sacerdote, que amargou as tragédias familiares, em conseqüência de ter sido um pai irresponsável: (I Samuel 2.12; 3.13). A Bíblia diz: A vara e a repreensão dão sabedoria; mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe.” (Prov. 29.15); B) Davi fez discriminação entre filhos: (2 Sm 13.39). O comentário de rodapé da Bíblia Shedd, diz: “As falhas de Davi residiam nas mulheres e na educação de seus filhos. Nada fez para corrigir a Amnom, que pela lei devia morrer (Lv 18.29)... E quando Absalão mata Amnom, persegue-o por longos meses, estabelecendo uma discriminação entre seus filhos...” (B. Shedd, p. 455); C) Davi agiu com parcialidade na disciplina: (2 Sm 14.24; 17.1-14); e D) Davi, finalmente, expressou o sentimento de culpa e falha na educação de filhos: (2 Sm 18.33). “No fundo, Davi compreende que o verdadeiro culpado é ele mesmo. Arrependido, chora amargamente pelo filho” (B. Shedd, p. 464). Nenhum pai está isento de suas responsabilidades e de sofrer as conseqüências se proceder irresponsavelmente. ABASTECER (suprir) é a palavra chave neste segundo ato de criação. 3. Pais, criai os vossos filhos na ADMOESTAÇÃO[11] do Senhor.– Os pais devem exercer a supervisão e condução do aperfeiçoando dos filhos com entendimento, sabendo que os valores começam no lar, e que são formal e informalmente padrões aos filhos. Eles devem se esforçar a cada novo dia, com o indispensável auxílio do Consolador (Jo 14.17,26; 16.13-15,23,33) para apresentarem-se aos filhos como exemplos dos valores bíblicos ao mesmo tempo que vão corrigindo ou reparando, (através de diálogo, recursos auxiliares, conselheiros, etc) o complexo processo de desenvolvimento e a criação de seus filhos, sem os provocar à ira. ABENÇOAR é a palavra chave neste outro ato de criação. “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele.” (Prov. 22.6)

Sobretudo, a Igreja deve estar atenta à realidade dos pais em seu contexto e ajudá-los, àqueles que se encontram abertos e conscientes por mudanças de atitudes e do seu ser; e deve também despertar outros promovendo palestras e estudos, desenvolvendo ministérios de apoio etc... O Senhor Jesus mandou que a Igreja ensine seus discípulos “a observar todas as coisas” (Mt 28.20) necessárias ao saber, ao ser e ao fazer, e isto transforma a sociedade, discípulo por discípulo. Freire[12] diz que a educação se dá na sociedade, e que ela deveria ser uma mudança constante de atitude. Muitas igrejas, já algum tempo estão fazendo a sua parte e se dedicando em ajudar os pais em sua missão, porque descobriram que mesmo os crentes que participam desde a infância da vida cristã numa Igreja, “podem entrar em disfunções relacionais e carecer de ajuda... Toda igreja que investe nos casais desde o momento em que se preparam para o casamento através de cursos pré-nupciais colherá os frutos de famílias estabilizadas e felizes. E uma igreja com famílias estabilizadas e felizes é uma igreja estabilizada e feliz...[13] É preciso ajudar os pais a entender e exercer os seus papéis sociais, inclusive a correta autoridade paternal/maternal.



[1] VEJA Família, - Influência paterna - Precisam-se: pais. Disponível em: <http://fws.uol.com.br/folio.pgi/veja1999.nfo/query=casamento+or+filhos+or+educa!E7!E3o/doc/{463,0,0,0}/hit_headings/words=4/hits_only?>. Acesso em: 02 nov. 2002.

  [2] O JORNAL BATISTA. Caderno Família – Edvaldo Shamá, Campo minado. Disponível em: <http://www.batistas.org.br/jb_online/cadernof/cadernof_01.asp>. Acesso em: 16 jul. 2002.

[3]  O JORNAL BATISTA Caderno Família. Josué Campanha, Famílias abandondas. Disponível em: <http://www.batistas.org.br/jb_online/cadernof/cadernof_03.asp >. Acesso em 16 jul. 2002

[4] REVISTA EPOCA – SOCIEDADE. Ricardo Mendonça, – Morte em Casa. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT516956-1664,00.html?Email=melechco@terra.com.br>. Acesso em 06 abr. 2003.

 [5]  Idem.

[6] Gênesis 1.27,28; 2. 23-24.

[7] O JORNAL BATISTA Caderno Família, Elizabete Bifano. Mulheres, Deixem Os Pais Serem Pais. Disponível em: <http://www.batistas.org.br/jb_online/cadernof/cadernof_01.asp>.  Acesso em: 13 ago. 2002.

[8] Autoritário. Adj. do latim auctoritas ['autoridade', + -ário.]. Aquele que procura impor-se pela autoridade: altivamente, impositivo, dominador, arrogante, impetuoso, violento, impulsivo. (AURÉLIO Eletrônico)

[9] Sherron K. George. Igreja ensinadora. Fundamentos bíblico-teológicos e pedagógicos da educação cristã. Ed. Luz Para o Caminho. Campinas, SP  1993, p. 40.

[10] WARD, Ted. Os valores começam no lar. Rio de Janeiro: JUERP. 1981. pp. 16-7.

[11] Admoestação. S. f. de admoestar + -ção que indica o ato ou efeito de advertência, aviso, conselho. (Leve repreensão; reparo, reprimenda, corrigenda). (AURÉLIO Eletrônico)

[12]  FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Editora Paz e Terra: 1981

[13]  FRIESEN, Albert. Cuidando do ser. Curitiba: Ed. Evangélica Esperança. 2000, p.184.

 

Elaborada por Walter Meleschco Carvalho, e atualizada em 28/09/2005

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